quinta-feira, 1 de novembro de 2007

post obscuro

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência."

(...)

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: 'Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!' Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:

‘Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’
Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”

(Nietzsche. A gaia ciência)



Ela estava lá, diluindo-se em comiseração.

Pensava em todo o trabalho que tinha pela frente. Pensava no hábito, que sintetiza o tempo. Pensava. Pensava na reminiscência erótica da Idéia platônica. E na repetição, que de tanto repetir, cria a diferença. E quem suporta a repetição? Ela suporta. Quadros de Francis Bacon lhe vinham à mente. Desejou ter consigo seu cd de Tristão e Isolda. Desejou ser mais sabida. Desejou ler Sartre. E Camus, e outros franceses. Desejou entender muitas coisas. Desejou. Olhou pela janela, repetindo o hábito. Pensou de novo na reminiscência erótica. Desejou mais um pouquinho.

Pensou em Jó; o da paciência!

Ela desejava tudo aquilo que ela desejava com toda a intensidade com que desejava cada coisa. Pensou na solidez de seu desejo. Desejo maciço. Alguém estava bêbado na rua, e fazia muito barulho e vomitava. Pensou na fragilidade do limite de cada coisa. E no limite das coisas sem limites. Imaginou a infinitude e a inquietude absoluta do puro mover-se-a-si-mesma. Eternamente. Desligou o abajur.

Compreendeu por um segundo.

Só existe diferença. E a repetição.

5 comentários:

Felipe Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Felipe Silva disse...

Sabe Ana, isso tudo é muito sério! É sério porque estam em jogo duas atitudes diante da ciência que Nietzsche nos apresenta. A situação do "Eterno Retorno do Mesmo". A questão é que pode realmente ser um demônio que profere aquele discurso... Mas pode ser um Deus, pois nenhum ser poderia, aos olhos de Nietszhe, dizer coisas mais divinas... A questão é: Quem é este que faz este discurso para você? Um Demônio ou um Deus?

A resposta diz muito sobre o sujeito. hehehehehehehehehe Saiba que para Nietzsche é um Deus quem diz isso... São palavras que libertam aquele que pode com sucesso transvalorar todos os seus valores, ou seja, seguir fielmente todo o projeto de Nietszche, romper com todo ideal, com todo platonismo, com toda vontade de Verdade, em suma, com a Moral... Mas se for um demônio. Aí sim você está em maus lençóis... E não é fácil ver palavras divinas naquele discurso... Não seria possível sentir-se alegre e satisfeito com ele. Nosso mundo é o mundo do novo, do gozo, do imediato, do inédito, do espetáculo que a cada minuto precisa de algo novo, o mundo da moda descartável, o da corrida pela salvação e pela mudança... Em suma, um mundo da busca pela diferença... Para estes o “Eterno Retorno do Mesmo” é insuportável e sua ciência causa melancolia e desistência da vida.

Nietszche é menos louco do que todo mundo imagina. Na verdade ele não era muito normal e ainda bem, mas ele sabia do que falava. Aquele que reconhece na ciência do Eterno Retorno palavras de um Deus vive satisfeito e ama seu destino no sentido mais fundamental do termo ‘amar’ – Amor fati.

Thiago disse...

Cara!! Muito bom esse teu blog menina!! Demais, fiquei apaixonado por ele, muito deleuziano, drummondiana, existencialsita, sei lá! Muito original!!! Massa, massa mesmo!! Um diz vou ser igual vc! hehehehe

Vitor Bustamante disse...

Quando chegou no apartamento, foi até a janela, afastou as cortinas e olhou para a cidade grande por entre os vidros abertos. Era incrível como mais uma vez tudo se repetia e, mais incrível ainda era como que por manter consigo algo de criança, algo de inocência, quando estava na repetição tinha certeza: vivia algo totalmente inédito... Mas a situação ainda era a mesma; quase mudava no ápice dos relacionamentos, mas depois caíca no só, que há em todos nós mais uma vez e ele já podia ver a roda começando a rodar uma mesma volta. Sem fechar as cortinas, puxou o sofá para perto da janela e deitou o olhando o céu absurdamente claro da cidade de São Paulo para um início de madrugada. Pensou, pensou mais um pouco no mundo e desistiu de atribuir-lhe alguma responsabilidade. Trouxe tudo para si e sozinho no apartamento disse em voz baixa: quem repete sou eu! Repito todos esses tolos pensamentos para que aconteçam novamente todas as coisas queridas que eu tive quando outrora pensei assim. No fundo, eu só quero repetir e repitir todos os momentos felizes que vivi porque há em mim graças a Deus o sentimento de saudade... Pensou se aquelas palavras faziam no fundo algum sentido. Concluiu que apenas gostava delas e pronto. Era aquilo e pronto. Chega de argumentação para explicar o que não se deve e viva tudo aquilo que por si só se basta, que nos envolve de tal forma que não podemos analisar nada, só viver e sentir a vida. "Se quer ser feliz como diz, não análise...", como outrora cantou uma voz feminina em espanhol num disco do Milton. Lembrou a melodia e cantou, em espanhol. Depois que terminou, 5 minutos depois, adormeceu.

Ana Lobato disse...

Nossa, esse post bombou!! 3 comentários!!

Feli, pra mim ele é um deus. e espero que esse pensamento adquira poder sobre mim, me triturando, pra que eu deseje viver inumeraveis vezes cada mísera ação do meu dia.

Thii! Brigada! Um beijo!!

Vitor, o problema é quando a gente fica repetindo a dor... tenho pensado mto sobre isso, até porque a repetição nunca é do mesmo. confuso, né?
um beijo!