segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Diálogos Possíveis com Clarice Lispector

_ Nelson, qual a coisa mais importante do mundo?
_ É o amor.

_ Qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?

_ É a solidão.

_ E o que é o amor, Nelson?

_ Eu sou um romântico num sentido quase caricatural. Acho que todo o amor é eterno e, se acaba, não era amor. Para mim, o amor continua além da vida e além da morte. Digo isso e sinto que se insinua nas minhas palavras um ridículo irresistível, mas vivo a confessar que o ridículo é uma das minhas dimensões mais válidas.

_ Nelson, você tem dado muitas entrevistas. Todas elas se parecem com esta?

_ Não, eu estou fazendo um esforço, um abnegado esforço, para não trapacear nem com você nem com o leitor.

É preciso dizer que, durante a entrevista toda, ele não sorriu nenhuma vez. Com a verdade grave não se sorri.
Mas Nelson não tinha dito o que queria quanto à pergunta: o que é o amor. Voltamos a ele.

_ Não estou me referindo ao sexo. O sexo sem amor é uma cristalina indignidade. Sempre que o homem ou a mulher deseja sem amor se torna objeto. Uma mulher não tem o direito de se despir sem amor. Mesmo o biquíni, mesmo o decote, e repito, nenhuma forma de impudor é lícita se a criatura não ama. Se a criatura não ama, não pode usar biquíni, ousar certos decotes ou qualquer forma de impudor.

(trecho da entrevista que Clarice Lispector fez com Nelson Rodrigues, publucada pela editora Rocco, no livro Entrevistas)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Mar Absoluto

(Ilha do Mosqueiro-PA)

(...) Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

(...)
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-mos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se, correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra si mesmo,
por si mesmo vencido.
É o seu grande exercício.

Não precisa de destino fixo na terra.
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.


(...) Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar. (...)
(Cecília Meireles)

P.S.: A foto de Mosqueiro eu roubei da Cyndi