sábado, 24 de novembro de 2007

ondas sísmicas

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas, em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
(Mário Quintana)

Ultimamente minhas palavras andam mudas. Sentada diante da encruzilhada há meses, começo a irritar-me. Tenho ânsia de salto, mas não ouso... acho que essa frase não é minha.
Meus sismógrafos começam a registrar as primeiras ondas. Com o coração alerta, espero.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

o tempo

"O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor;
embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento;
sem medida que o conheça,
o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim;
rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas,
e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas;
rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo,
aproximando-se dele com ternura,

não se rebelando contra o seu curso,
brindando-o antes com sabedoria

para receber dele os favores e não a sua ira;
o equilíbrio da vida está essencialmente neste bem supremo,
e quem souber com acerto a quantidade de vagar,
ou a de espera, que se deve pôr nas coisas,
não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é,

pois só a justa medida do tempo, dá a justa natureza das coisas.”

(do filme LavourArcaica)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

alice no país das maravilhas

ALICE: Hum, vamos ver que caminho tomar...
GATO
: Perdeu Algo?
ALICE:
Oh, não, não, isto é, estava pensando...
GATO:
Faz muito bem pensar.
ALICE:
Obrigada, mas eu só queria saber que caminho tomar.
GATO:
Isso depende do lugar onde quer ir...
ALICE:
Relamente não importa, desde que eu...
GATO:
Se pensa assim, não importa que caminho tomar.
(...)

Solilóquio de Alice

ALICE: Vou para casa. Esse coelho, o que me importa onde vá! Chega por hoje. Se eu vim por aqui, irei por aqui. Meu Deus, será que vou chegar a sair daqui? Está ficando escuro, onde é que eu estou? Seria tão bom se tudo voltasse a ser como era antigamente... Estou perdida. Mas se eu parar ficarei no mesmo lugar e sem fazer nada. Então preciso escolher um caminho. Se eu tiver juízo, paciência... mas esperar me deixa tão curiosa... Sei que nunca sigo as coisas que me ensinam... os bons modos. Talvez nada disso teria acontecido. É preciso ter juízo.

(Carroll, Lewis. Alice no País das Maravilhas)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Cântico VI

(foto de sebastião salgado)

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.
(cecília meireles)

domingo, 4 de novembro de 2007

porque o que vem é melhor

“Um brinde ao que passou, porque o que vem é melhor. Sua frase favorita me sai de repente e aconchega. Uso-a como se fosse minha. Talvez seja. Nossos olhos são os mesmos, deve ter mais coisas que também são. O gosto pelo agridoce e a capacidade de incendiar de risos um espaço com gentes, certamente. E embora eu saiba que possuir esse dom tem um preço amargo, não reclamo. Uma certa melancolia é até bom para cozinhar.”
(papel manteiga para embrulhar segredos)

Amo mesmo. Não vejo porque não confessa-lo.
Hoje não tenho medo nem da solidão, nem da morte, nem da dor. Digo hoje porque esse é um depoimento muito sério para proferi-lo para todos os dias que me restam, prefiro ponderar cotidianamente minha disposição. Todavia, não desejo a morte ou o sofrimento desnecessário. Quanto à solidão... a gente tem se dado bem!

Depois de um longo tempo, vou cozinhar. Vou cozinhar porque amo e quero viver de amor. Vou cozinhar para saudar o que passou.

Papel Manteiga para Embrulhar Segredos, de Cristiane Lisboa, foi o melhor livro que li esse ano. Nota-se pela quantidade de vezes que já o citei aqui! E olha que esse foi um ano de uma safra extraordinária de leitura. É forte e feminino. Não como “Maria, Maria” do Milton Nascimento, por exemplo. Aquela mulher desgraçada que sofre tanto que nem “vive, apenas agüenta”. Chega dá pena de ser mulher! Não, não. Antônia, a protagonista, é forte e feminina, ao mesmo tempo livre e pulsante. E tem “graça”, “gana”, “raça” e “sonho” sem os imperativos.
Adoro ser mulher. E não gosto nem um pouco da crença amplamente difundida que mulheres sofrem melhor. Conversa da mentalidade patriarcal! Como Antônia, entendo que sexo é político, mas não preciso fingir que não tenho esse sentimento de servir sabor a quem eu amo. E sofro deveras quando isso não me é permitido.

Mas já chorei as lágrimas necessárias. Por isso hoje estou cozinhando, porque me recuso a negar sabor a outros amores.

Filé com Porto e Cebolas Douradas*

Ingredientes:

4 medalhões de filé mignon
2 cebolas médias fatiadas bem finas e uniformes
2 xícaras de vinho do Porto
2 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de manteiga
Azeite para untar
Sal e pimenta do reino

Modo de Fazer

Em uma frigideira, unte os medalhões com azeite e frite em fogo bem forte apenas para dourar todos os lados e prender os sucos da carne. Transfira a carne para uma assadeira e leve ao forno médio para continuar o cozimento. Na frigideira usada para fritar a carne, coloque o vinho do porto e ferva até ficar grossinho. Enquanto isso, em outra panelinha, derreta a manteiga e doure as cebolas, adicionando o açúcar quando estiveram transparentes. Mantenha o fogo médio baixo, mexendo de vez em quando até adquirirem um dourado bem lindo. Retire os filés do forno no ponto do cozimento desejado, mau ou bem passado, tempere com sal e pimenta moída na hora e sirva com um pouquinho do vinho por cima e as cebolas bem douradas ao lado.

*receita de Tatiana Damberg, retirada do livro Papel Manteiga para Embrulhar Segredos, de Cristiane Lisboa. Editado pela Memória Visual em 2006 (procurei no livro aquele aviso “todos os direitos reservados, blábláblá...”, dizendo que nenhuma parte pode ser reproduzida, e não achei).

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

post obscuro

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência."

(...)

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: 'Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!' Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:

‘Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’
Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”

(Nietzsche. A gaia ciência)



Ela estava lá, diluindo-se em comiseração.

Pensava em todo o trabalho que tinha pela frente. Pensava no hábito, que sintetiza o tempo. Pensava. Pensava na reminiscência erótica da Idéia platônica. E na repetição, que de tanto repetir, cria a diferença. E quem suporta a repetição? Ela suporta. Quadros de Francis Bacon lhe vinham à mente. Desejou ter consigo seu cd de Tristão e Isolda. Desejou ser mais sabida. Desejou ler Sartre. E Camus, e outros franceses. Desejou entender muitas coisas. Desejou. Olhou pela janela, repetindo o hábito. Pensou de novo na reminiscência erótica. Desejou mais um pouquinho.

Pensou em Jó; o da paciência!

Ela desejava tudo aquilo que ela desejava com toda a intensidade com que desejava cada coisa. Pensou na solidez de seu desejo. Desejo maciço. Alguém estava bêbado na rua, e fazia muito barulho e vomitava. Pensou na fragilidade do limite de cada coisa. E no limite das coisas sem limites. Imaginou a infinitude e a inquietude absoluta do puro mover-se-a-si-mesma. Eternamente. Desligou o abajur.

Compreendeu por um segundo.

Só existe diferença. E a repetição.