sexta-feira, 20 de maio de 2016

“I’ve been written some but I won’t send them to you, 
because the nightly emissions of a poet ought be milky ways
 and mine are just shameful stain”
(Mallarme)

Uma punhalada na carne a cada palavra escrita. A cada palavra, a morte. Não, a quase morte; o que tornava a expectativa insuportável... quase insuportável. Escrita seca, escrita fraca. Um dia ainda haveria de. Levantou e pôs-se à janela. O vento frio da noite gelou suas orelhas.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Porém meu ódio é o melhor de mim

A Flor e a Náusea
(Carlos Drummond Andrade)

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
(...)
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
(...)
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Pensamentos Diferidos IV

Presente
Pre-sente
Sente previamente
Presente
Pre-sente
Afeto que antecipa
Não permite porvir
Afeto que antecipa
É medo ou esperança
Perigo Absoluto

(30/03/2016)


terça-feira, 7 de julho de 2015

Escritas

"Minha imaginação é alérgica a julho"
(Alex Epstein)


Escrever nunca fora tão desafiador. Queria adorar o deus desconhecido, mas sentia-se débil e vacilante, como se lhe faltasse presente, presença; a escritura mesma lhe faltava. Ficava ali, na sua tolice, tentando alcançar um texto que nunca está lá, que desde sempre já escapou.  num sentido heideggeriano. Suspirou. Perguntava a si mesma sobre o gênero do verbo abismar-se. Não conseguia decidir-se. Muitos verbos reflexivos!

domingo, 28 de junho de 2015

“Seus olhos abertos e diamantes. Nos telhados os pardais secos. ‘Eu vos amo, pessoas’, era frase impossível. A humanidade lhe era como morte eterna que no entanto não tivesse o alívio de enfim morrer. Nada, nada morria na tarde enxuta, nada apodrecia. (...) Nada jamais fora tão acordado como seu corpo sem transpiração e seus olhos-diamantes, e de vibração parada. E Deus? Não. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.”
(Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres – Clarice Lispector)



Ela sentia sede, mas não bebia água. Não conseguia. Era tão abissal o que tinha de fundo, que não havia água no planeta que pudesse preenchê-la, como na letra de uma canção. Há anos era assim, sedenta. E levava no peito o silêncio fúnebre, as palavras mudas. A sede infinita.

domingo, 28 de julho de 2013

Instruções para a vida

Não sei onde eu li essa pergunta: se a sua vida fosse um romance, que autor a teria escrito?
Sei que nem precisei pensar muito, a minha teria sido escrita pelo Gabriel Garcia Marquez. Qualquer dia eu conto alguns episódios macondianos da minha história como a simpatia da faca virgem na bananeira que a minha avó fez na véspera do dia de Sto. Antônio, ou como a bisa morreu desalentada de paixão pela morte do biso, que diz-que era um judeu de barba e sobrancelha loura quase branca que fazia regatão pela Amazônia e tinha uma mulher em cada cidade que visitava, ou o grande olho azul que as vezes pisca pra mim no céu (já aconteceu quando eu estava careta, sim!)...
Bom, o fato é que desde então, tendo tomado consciência do gênero literário que me narra, me sinto bem mais a vontade na existência. O que não quer dizer que esteja fácil.
Daí, que o Neil Gaiman tem um poema chamado “instructions”*, que são instruções caso você se encontre de repente em um conto de fadas, sobre o qual eu tenho meditado essa últimas semanas e que me tem sido de grande valia.

“Toque a porta de madeira na parede que você nunca viu,

diga “por favor” antes de abrir a tranca,
atravesse,
desça pela trilha.
Um duende de metal vermelho está pendurado
na porta pintada de verde da entrada,
como uma aldrava;
não o toque; ele morderá seus dedos.
Ande pela casa.
Nada pegue.
Nada coma.
No entanto,
Se alguma criatura disser que tem fome,
alimente-a.
Se disser que está suja,
limpe-a.
Se chorar dizendo que dói,
se puder,
alivie sua dor.”
(...)
Da clareira detrás do castelo, os doze meses circundam o fogo, esquentam os pés, trocam histórias.
Se você for educado, talvez, eles lhe façam favores.
Você poderá colher morangos em plena neve de dezembro.
Confie nos lobos, mas não diga a eles aonde você está indo. [Esse verso eu acho
particularmente válido para a vida!]
(...)
Lembre-se:
gigantes têm sono muito profundo,
feiticeiras são com frequência, traídas pelo próprio apetite;
dragões têm um ponto fraco,
em algum lugar, sempre;
corações podem ficar bem escondidos,
e você os trai com a sua língua.
(...)
Lembre-se do seu nome.
Não perca a esperança – o que você busca será encontrado.
Acredite em fantasmas.
Acredite que aqueles que você ajudou vão ajuda-lo de volta.
Acredite em sonhos.
Acredite no seu coração e acredite na sua história.
Quando voltar, percorra o mesmo caminho.
Favores serão retribuídos, dívidas serão sanadas.
Não esqueça de ser educado.
Não olhe para trás.
Voe com a águia da sabedoria
(você não vai cair)
Mergulhe com o peixe de prata
(você não vai se afogar)
Galope com o lobo cinzento
(segure firme em seu pelo)
‘Há um verme no coração da torre;
é por isso que ela não se manterá em pé.’(...)

*ele foi recentemente lançado no Brasil pela Rocco, traduzido pela Elvira Vigna.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

I too am not a bit tamed, I too am untranslatable,
I sound my barbaric YAWP over the roofs of the world.
(Walt Whitman [1819–1892]. Leaves of Grass. 1900.)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

(gravura da folha de rosto da edição de 1854 de Thoreau, Henry David. Walden; or, Life in the Maine Woods.
Boston: Ticknor & Fields)

“I went to the woods because I wanted to live deliberately, I wanted to live deep and suck out all the marrow of life. To put to rout all that was not life and not when I had come to die Discover that I had not lived.”*
(Henry David Thoreau)

Tenho aparecido pouco porque, vocês sabem, na floresta não tem internet.


*"Eu fui para a floresta porque queria viver deliberadamente, queria viver profundamente e sugar toda a essência da vida, aniquilar tudo o que não fosse vida para que quando minha morte chegasse, não descobrisse que não vivi.”

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Xixi no banheiro

Eu não sou muito fã de xixi no banho, não...
Ai, Dona Mata Atlântica, eu sei que gasta toda a água do planeta. E vaja, não é que eu não queria lhe ajudar, só tou dizendo que não sou mto fã de xixi no banho.
Agora, essa propaganda é fantástica!!



O melhor é "gênios da ciência"!!! hahahaha
Não, e o Frankenstein fazendo xixi pela orelha?? hahahahaha
E o Saci e o Minotauro?? hahahhaha

Eu gosto tanto dessa propaganda que talvez, quem sabe, eu até comece a cogitar a idéia?

sábado, 30 de maio de 2009

Síndrome da Torta de Blueberry II

Em tempos de mudança, manter o coração quentinho é fundamental.
Noutro post já falei sobre o medo da torta de blueberry (clique aqui pra ver), e é incrível como o sujeito pode se enrolar sempre com as mesmas questões... ai, ai...

e só porque sou uma blueberry girl, uma poesia linda, de um livro lindo eu ganhei esses dias.



Blueberry Girl
(Neil Gaiman)

Ladies of light
and ladies of darkness
and ladies of never-you-mind
this is a prayer for a blueberry girl
first may you ladies be kind
keep her from spindles and sleeps at sixteen
let her stay waking and wise
nightmares at three or bad husbands at thirty
these will not trouble her eyes
dull days at forty, false friends at fifteen
let her have brave days and truth
let her go places that we’ve never been
trust and delight in her youth
ladies of grace
and ladies of favor
and ladies of merciful night
this is a prayer for a blueberry girl
grant her your clearness of sight
words can be worrisome
people complex
motives and manners unclear
grant her the wisdom to choose her path right
free from unkindness and fear
let her tell stories and dance in the rain
somersault, tumble and run
her joys must be high as her sorrows are deep
let her grow like a weed in the sun
ladies of paradox
ladies of measure
ladies of shadows that fall
this is a prayer for a blueberry girl
words written clear on a wall
help her to help herself
help her to stand
help her to lose and to find
teach her were only as big as our dreams
show her that fortune is blind
truth is a thing she must find for herself
precious and rare as a pearl
give her all these and a little bit more
gifts for a blueberry girl

domingo, 8 de março de 2009

She pours a daydream in a cup

Quando acordou e viu o dia lindo do lado de fora da janela e o bolo de chocolate em cima da mesa, não pode deixar de pensar que a vida é mesmo um clichê. Passou café, arrumou a mesa. Seu coração estava aquecido e o silêncio da casa já não lhe assutava. Ninguém sabia disso, só ela.




Her Morning Elegance
(Oren Lavie)

Sun been down for days
A pretty flower in a vase
A slipper by the fireplace
A cello lying in its case

Soon she's down the stairs
Her morning elegance she wears
The sound of water makes her dream
Awoken by a cloud of steam
She pours a daydream in a cup
A spoon of sugar sweetens up

And she fights for her life
as she puts on her coat
And she fights for her life on the train
She looks at the rain
as it pours
And she fights for her life
as she goes in a store
with a thought she has caught
by a thread
she pays for the bread
and she goes…
Nobody knows

Sun been down for days
A winter melody she plays
The thunder makes her contemplate
She hears a noise behind the gate
Perhaps a letter with a dove
Perhaps a stranger she could love

p.s.: o Oren Lavie é um músico e escritor e diretor de teatro isralense que mora em Berlin (procura aí no google que eu não sei colocar link aqui). A letra eu peguei no Terra e o clipe tá lá no youtube. Oren tem sido minha trilha sonora essas últimas semanas.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

sobre vícios e virtudes II

Eu cultivo meus vícios (porque se uma pessoa não cultivar nem seus vícios, vai cultivar o que nessa vida, né mesmo?). Também cultivo alguns relacionamentos e uma plantinha com fator de cura IV, o que talvez explique porque ela não teve o mesmo fim que o manjericão e a pimenteira.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

sobre vícios e virtudes I

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Paciência

_ ana, eu tenho um vício
_ que bom... é mto bom ter vícios!
_ eu não tô gostando, porque é um vício chato
_ o que é? é um vício caro?
_ jogar paciência no computador
_ eu tb tenho esse!
_ eu me sinto uma idiota
_ mas, olha, o chico buarque tb joga
_ todo dia eu tenho que jogar
_ jogar paciência faz parte do processo criativo, porque limpa a mente pras idéias poderem vir
_ é verdade!
_ eu me sinto mto respaldada depois que eu soube que o chico tb joga!
_ isso me aliviou, confesso
_ pois é...
_ égua ana, tu não sabes como eu estou feliz em ter um vício em comum com o chico!!!

"O tempo de Chico Buarque é diferente, diz ele. O trabalho e a criação ocpuam sempre a sua cabeça. Quando caminha pela praia, quando vê um filme. Às vezes comete silêncios desconcertantes porque no meio de uma conversa se detém para pensar. Na hora de escrever, muitas vezes senta-se à frente do computador e fica horas jogando paciência. Até ter uma idéia. Então passa para o texto, escreve cinco minutos e volta para a paciência. Com o andar das coisas, isso vai mudando e ele fica menos tempo na paciência e mais no texto. (...)"
(Chico Buarque do Brasil, ed. Garamond, p. 109)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

(El sueño de la razón produce monstruos, gravura de Francisco Goya, 1799)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

na encruzilhada... de novo

...e agora??
o problema de não saber de onde viemos e para onde vamos é esse!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Feliz 2009

Hoje começa o ano novo de verdade, embora tudo continue igual. Tudo pra pagar, tudo pra arrumar, tudo que a gente não fez ano passado (eu não fiz tanta coisa) tá lá esperando pra fazer em 2009. E como se não bastasse, haja votos de paz, amor, felicidade, saúde, dinheiro e que tudo se realize, porque esse ano tudo vai ser melhor! Hum-hum.

Mas esses dias, li um post no blog da cássia (www.olhoscaramelos.wordpress.com . Pois é, eu não sei fazer ficar a palavra azulzinha que a gente clica e já vai direto no link, acredita?) que era assim, ó:

[...] Tem aquele livro do Camus, A peste, que o personagem passa o livro todo escrevendo um grande livro que ele queria fazer. E ele fica o livro inteiro no mesmo parágrafo. Porque se você quiser ser perfeito, você vai ficar sempre no mesmo parágrafo.

Eduardo Coutinho
, no DVD especial em comemoração aos 50 anos de lançamento do livro Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.

*
Este é o meu desejo para 2009: sejamos imperfeitos. Porque sem aqueles que não temem a imperfeição, o mundo jamais teria saído do lugar.


E eu já quero é isso aí mesmo pra 2009! Brigada, querida!

domingo, 21 de dezembro de 2008

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

quando viver é uma ordem

"Dentro do carro, passei alguns minutos em silêncio tentando entender se minha vontade de convidar Martín para subir comigo no quarto do hotel era absurda, patética, inoportuna, apressada, equivocada, insana, ridícula, vulgar ou aviltante. Há tantos adjetivos no mundo que em certas ocasiões fica impossível escolher apenas um. Ou talvez essa abundância toda ainda seja insuficiente e certas ocasiões, sentimentos e coisas sigam sendo inadjetiváveis.”
(Cordilheira, Daniel Galera)


Cheiro de livro novo. Capricho de fim de ano.

Porque de vez em quando somos tão severos com as pessoas, e elas nos amam tanto.
Porque fim de ano é difícil, ainda mais com o trânsito parado por causa da árvore de natal gigante.
Porque as pessoas sempre podem recusar um convite, mas quase sempre vale a pena correr o risco e convidar. Quase sempre.
Por essas e outras, e por me faltarem os adjetivos e mesmo os substantivos e verbos, que faço minha segunda citação no mesmo post:

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond Andrade)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

clarice lispector

Porque hoje Clarice faria 88...

“Ter nascido me estragou a saúde”
*
“Quem não é um acaso na vida?”
*
“Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada”
*
“Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.”
*
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
*
“Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.”
*
“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.”
*
“Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.”

*
“Gosto dos venenos os mais lentos!

As bebidas as mais fortes!
Dos cafes mais amargos!
E os delirios mais loucos.
Voce pode ate me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
E daí
eu adoro voar!!!”
*
“Perder-se também é caminho.”
*
“Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.”

P.S.: se alguém não entendeu, todas as frases são de Clarice Lispector.