terça-feira, 29 de julho de 2008

Os conselhos da Lagarta

“one side will make you grow taller,

and the other side will make you grow shorter…”

Na vida é assim, a mesma coisa pode tanto fazer crescer, como decrescer. Depende do tamanho do desejo e da disponibilidade para espera.

Durante algum tempo, a Lagarta e Alice olharam-se em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o cachimbo da boca e perguntou-lhe numa voz lânguida e sonolenta: “Quem és tu?” Não se pode dizer que fosse um princípio de conversa encorajador. Alice respondeu timidamente: “Neste momento, nem sei bem, minha senhora... Esta manhã, quando me levantei, sabia quem era, mas já mudei tantas vezes desde então.”

“O que queres dizer com isso?, perguntou a Lagarta severamente, “Explica-te!”

“Eu não posso explicar-me, eu receio, Senhora, respondeu Alice, “porque eu não sou eu mesma, vê?”

“Eu não vejo”, retomou a Lagarta.

“Eu receio que não posso colocar isso mais claramente”, Alice replicou bem polidamente, “porque eu mesma não consigo entender, para começo de conversa, e ter tantos tamanhos diferentes em um dia é muito confuso.”

“Não é”, discordou a Lagarta.

“Bem, talvez a Senhora não ache isso ainda”, Alice afirmou, “mas quando transformar-se em uma crisálida — acontecerá algum dia, sabe — e então depois disso em uma borboleta, eu acredito que irá sentir-se um pouco estranha, não irá?”

“Nem um pouco”, disse a Lagarta.

“Bem, talvez seus sentimentos possam ser diferentes”, finalizou Alice, “tudo o que eu sei é: é muito estranho para mim.”

“Tu!”, disse a Lagarta desdenhosamente. “Quem és tu?”

sexta-feira, 18 de julho de 2008

"Se você se sentir como um verme, cave. Se você se sentir como um pássaro, voe."
(Henry Miller)
[retirado do Declaração Universaldo Moleque Invocado, do Fernando Bonassi])

domingo, 13 de julho de 2008

eternamente

“Na banda do norte do Amazonas
dizem haver um lago,
em cujas praias é fama constante
estarem vários corpos
humanos petrificados;
e todos ou quase todos em pé”
(João Daniel, jesuíta do século XVIII,
no Tesouro Descoberto
no Máximo Rio Amazonas)


O Beijo. Escultura de August Rodin, 1889.
Museu Rodin, Paris

terça-feira, 8 de julho de 2008

O Medo da Torta de Blueberry

Elizabeth: Acho que só estou procurando por um motivo.
Jeremy: Bem, pelas minhas observações, às vezes, é melhor não saber. Outras vezes, não há razão para ser encontrada.

Elizabeth: Tudo tem uma razão.

Jeremy: Assim como as tortas e bolos! Veja: ao final de toda noite, o Cheesecake e a torta de maçã já não existem mais, sempre. A torta de pêssego e a torta de mouse de chocolate estão quase no final. Mas sempre sobra uma torta de blueberry inteira. Intocada.

Elizabeth: O que tem de errado com essa torta?
Jeremy: Não há nada de errado com a torta. As pessoas fazem suas escolhas. Você não pode culpar a Torta de Blueberry... É só que... Ninguém a quer.

Recentemente, assisti “Um Beijo Roubado” [My Blueberry Night], filme do Wong Kar-Wai com a Norah Jones e o Jude Law. Gostei imensamente. É um filme sobre portas, chaves, viagens e tortas (talvez mais tarde eu publique aqui outros textos sobre ele, porque escrevi bastante quando voltei do cinema). Ele me fez pensar em quando eu tinha medo, exatamente, disso, de não ser escolhida.

Não sei vocês, mas quando era criança e tinha que dançar quadrilha nas festas juninas do colégio, meu maior medo era ter que dançar com a vassoura no final. Eu, que apenas recentemente aprendi que correr riscos pode ser uma experiência bem recompensante, acabava sempre combinando com um amigo que quem fosse tirado primeiro, tiraria o outro. Uma besteira! Porque se, por um lado, me livrava daquilo que eu considerava vexatório, ter de dançar com a vassoura, por outro nunca me permitiu tirar quem eu realmente queria tirar, nem ser tirada por aquele que eu realmente queria que me tirasse.

E afinal, qual era mesmo o problema de dançar com a vassoura?